A ortodoxia da perfeição

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Há momentos em que nos deparamos com interrogações e contradições que fazem perigar a nossa concepção do real, abalando os pilares que sustentam a própria existência. Um deles é quando, tardiamente, nos apercebemos de que o papel higiénico acabou, e que lá fora, no mundo real, nos espera o vazio - ou, como opção, uma casa cheia de convidados, nomeadamente os pais da nossa namorada. Ai, sabendo que não há retorno, evitamos a humilhação de um apelo verbal, alto e bom som, sacrificando algo que nos é muito próximo: os boxers ainda limpos, da semana passada. Nos casos extremos em que os mesmos, por razões de força maior, estão ausentes, estamos condenados às chamas da eterna danação familiar.

Um dos outros momentos, voltando às grandes questões do nosso tempo, é sermos postos perante a falibilidade da nossa ortodoxia cultural - quando passamos a vida inteira a construir uma sólida rede de convicções pelas quais nos guiamos para, um dia, constatarmos a sua fragilidade.

E foi isso que me aconteceu hoje, numa fria tarde de Janeiro: dei por mim, imbuído de toda a inocência, a comprar... feijão verde para o jantar!

Eu percebo que, à primeira vista e, até para alguns, à segunda, a questão pareça de somenos relevância, mas esse é o busílis da coisa. Passei a vida a incluir feijão verde no GCAR - Grupo de Coisas Altamente Repudiáveis. Nele incluo também, por exemplo, certas práticas satânicas, lavar o carro (sobretudo ao Domingo) ou assistir ao programa "Ecclesia", que é uma versão moderna do "70x7", cujos traumas infligidos em criança a terapia semanal ainda não me permitiu ultrapasssar na totalidade.

A verdade então é que descobri recentemente que feijão verde era tragável, se conseguirmos misturá-lo com tantas coisas que o seu sabor desapareça. Aí percebi que a culpa era, em parte, da tradição de comê-lo cozido, na melhor das hipóteses, com o detestável "fio de azeite" - as idiossincracias da Portugalidade, no formato terapia de choque familiar.

Abeirando os 32 anos, renego a uma verdade que, sendo minha, era também universal: feijão verde é inadequado para consumo humano! É nestas alturas que verificamos a grandeza do infinito na nossa pequenez - que é o mesmo que dizer "mão-de-vaca, mioleira ou cozinhados do Goucha é que nunca!".

"Comprar feijão verde não é coisa de gajo solteiro que se preze", pensava eu ao constatar os olhares de desilusão das moças que compartilhavam da fila de espera comigo.

Pois. Ninguém é perfeito.

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