Partida

domingo, 5 de setembro de 2010

Preparo-me para deixar os Açores. A sensação é estranha, pois deixo tanto para trás que me é querido, que fez parte de mim durante estes anos, que é como ter de me despedir de mim mesmo em parte.

Não sei se voltarei, embora os planos sejam esses. Mas planos já todos fizemos muitos e a beleza deles é essa mesma...não passarem de planos que a vida trata de refazer.

Custa-me deixar a minha casa, mas a casa é nova e apesar de carregada de memórias do meu passado recente que me tem enchido de alegrias, há coisas que me dizem mais.



Que dizer do meu fiel tractor amarelo, do meu UMM que ninguém vaticinou durar mais de 3 a 4 anos e já vai em 10 nas minhas mãos? Companheiro de anos de trabalho, do início da Nerus, de partilha de viagens e descobertas pessoais, de azares e de felicidades...um carro é, sem dúvida, um companheiro de vida, especialmente quando nos acompanha durante toda uma fase da mesma.



Depois há o Nerus, não o cão,mas o barco. Histórias infinitas de situações bem desconfortáveis, de mares avessos à nossa presença que mais pareciam querer cuspir-nos para deles fora, mas muitas mais de partilha do "meu" mundo com todos aqueles que visitaram São Miguel e comigo decidiram conhecer o maravilhoso mundo do silêncio, nas palavras de Cousteau. Centenas, senão milhares de pessoas de todos os continentes nele entraram com expectativas e dele saíram com memórias que também elas não esquecerão.



Podia enumerar todos os mágicos locais (muitos deles "melhorados" hoje em dia por tecnocratas de secretárias)que me fascinaram e nos quais vivi momentos lindos de descoberta pessoal e natural, mas seria quase impossível, pelo que vou referir somente alguns: o topo da lagoa do fogo, quando mal havia antenas, para onde ia em 1995 fazer fotografia nocturna, tentanto não acertar em todos os coelhos que pululavam à frente do 205 ou nos ouriços que lentamente se atravessavam à frente do carro; a caldeira velha onde tantas vezes fui (quando era verdadeiramente quente), muitas vezes de modo pouco sensato a horas muito próprias e inseguras; as Furnas, destino de tantas viagens com as suas penumbra e misticidade tão próprias; e finalmente o Dori, que sempre me recebeu, levando eu comigo um sorriso ou um esgar de cansaço, que tanto viu de mim que se tivesse boca, contaria histórias sem fim embalado pelo mar que foi verdadeiramente terra...a minha terra.



Parto com a consciência de que fecho um capítulo da minha vida, ciente que, a partir de hoje, muitas coisas que dantes eram rotina passarão a ser memórias, cada vez mais vagas e difusas no caminhar do tempo. Mas todas elas, boas e más, trarei dentro de mim com o maior dos carinhos, pois a soma delas todas são o que eu fui, moldaram o que sou e influenciarão quem eu serei, volte eu a viver a insularidade em pleno ou somente no coração.